terça-feira, 6 de março de 2012

Reynaldo Gianecchini

A história de fé e superação de Gianecchini

Um exame de imagem realizado na semana passada mostrou que o ator não tem mais linfomas em seu corpo. Na quarta-feira, ele retirou o cateter da quimioterapia


Reynaldo Gianecchini já pode usar camisa regata e andar de torso nu. Pode, principalmente, voltar à natação e ao teatro. Na quarta-feira passada, às 21 horas, foi retirado o cateter que estava espetado numa grande veia de seu pescoço havia sete meses, desde a revelação de um câncer linfático. O exame de imagem, à tarde, não encontrara nenhum sinal de câncer em seu corpo, quase um mês e meio após um autotransplante bem-sucedido de medula óssea. E, por isso, era hora de se livrar daquele incômodo. O cateter é mais fino que um dedo mindinho, parece um fio de telefone. Saía sozinho às vezes, dificultava o banho e era uma lembrança contínua da doença. Estava conectado a uma grande veia perto do coração.
Pelo cateter entraram seis ciclos de quimioterapia, de agosto a dezembro, desde que o ator foi diagnosticado com um câncer conhecido tecnicamente como “linfoma não Hodgkin de células T angioimunoblástico”. Uma doença de nome complicado, causa desconhecida e prevenção inexistente, que pode dar em qualquer idade. Pelo cateter, entraram também muitos remédios. Drogas poderosas, para ajudar um dos atores mais belos e queridos do Brasil a enfrentar os efeitos colaterais da químio e a derrotar uma doença rara, agressiva e resistente. “Foi uma rasteirinha”, disse Giane, apelido que ganhou já adulto de amigos de profissão. Numa conversa de duas horas e meia com ÉPOCA em seu apartamento em São Paulo (leia a reportagem), o ator de 39 anos usou muitas vezes o diminutivo. “Rasteirinha”, “detonadinho”, “cuidadinho”. É seu recurso favorito de linguagem para não dramatizar o que sofreu desde julho do ano passado. “Ele nunca reclama de nada”, dizem os médicos, quase em tom de queixa.
 
O sorriso aberto é a marca de Giane, como o Z do Zorro. Está colado no rosto harmônico, onde sobressai um nariz arqueado, de personalidade. A careca, que ele alisa o tempo todo, num gesto involuntário que termina puxando a orelha esquerda até ficar vermelha, parece uma composição de personagem de luta. O vigor de Giane faz esquecer que a careca é um sintoma do câncer que se foi. “Eu me senti um guerreiro oriental quando raspei a cabeça”, diz. “Abri um sorrisão diante do espelho, em vez de chorar. Achei meu crânio bonito. Eu queria bater de frente com a doença. Estava entrando num campo de batalha feroz.”
O último passo dessa batalha foi a fase final do tratamento, o transplante de medula. No último dia 12 de janeiro, os médicos que cuidam de Gianecchini, os hematologistas Yana Novis e Vanderson Rocha, infundiram pelo cateter células sadias do próprio
Gianecchini – que haviam sido retiradas de seu sangue e congeladas previamente, dois meses antes. “Esse transplante, conhecido como autólogo e também chamado de suporte celular, é indicado para pacientes que respondem muito bem às quimioterapias anteriores”, diz Vanderson. “O objetivo é consolidar a cura do câncer para evitar uma recaída.” A infusão das células dura de 30 minutos a uma hora.
“Foi o único momento do tratamento em que me perguntei: vou aguentar?”, diz Giane. Na verdade, trata-se de uma “superquímio”, aplicada em altas doses durante cinco a sete dias, direto no cateter. O objetivo é matar qualquer célula do linfoma que tenha sobrevivido ao tratamento convencional. A medula do paciente perde a produtividade por vários dias. Ele fica mais sujeito a ter uma anemia e contrair infecções. Giane ficou em isolamento num quarto especial na área de transplante, sem visita, só com acompanhante, sua mãe, a educadora Heloísa Helena. Médicos precisavam usar máscara. Com a destruição das células superficiais do tubo digestivo, Giane perdeu 10 quilos. Teve náusea, vômito, diarreia. É o padrão nesses casos.

 
O prazo para a nova medula “pegar” varia de nove dias a duas semanas. Com Giane, ela recomeçou a dar sinais de vida no prazo mínimo, de nove dias. Médicos fizeram um bolo, enfermeiras o enfeitaram com velinhas, pacientes vieram, e todos cantaram “Parabéns” comemorando o “renascimento” de Giane. É um ritual tradicional no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, quando o resultado do tratamento é positivo.
O coração da mãe de Giane disparou. “Os filhos são as cordas de nosso coração”, diz Heloísa. “Ele levou o tratamento todo de maneira muito leve, sempre sorrindo. A leveza, o otimismo e a fé são o segredo do sucesso. A gente recebeu cartas e cartas de pessoas desiludidas com câncer que passaram a ter esperança ao ver o tratamento do Giane dar certo.” Com o marido, também Reynaldo, desenganado pelos médicos, Heloísa sofreu muito, mas disse que o sorriso do filho a ajudou demais. Após a morte dele, de câncer no pâncreas, em outubro do ano passado, ela se mudou para o apartamento de Giane e sempre se internou com o filho no Sírio-Libanês. “Faço a comida dele, não deixo ninguém mais fazer. Como ele precisava de uma dieta especial, aprendi e faço tudo. Agora, só saio daqui quando ele estiver forte, engajado de novo na profissão.”
Ao longo do tratamento, Giane leu biografias de pessoas que superaram o câncer e de outras que morreram. Leu muito sobre alimentação saudável. Comeu graviola durante seis meses, porque ouviu dizer que fazia bem e melhorava o paladar. “Acredito em tudo, até prova em contrário”, afirmou o ator. Ele diz ter um pezinho no misticismo e acreditar em astrologia. É Escorpião, com ascendente em Leão. “De um lado, sou profundo e intenso, do outro exibido, mas só em cena.” Leu sobre espiritismo – “mas também, de vez em quando, um livro de ficção fofo, sobre o amor”. E começou uma terapia.

“Essa busca da terapia é mais frequente do que se pensa entre pessoas que recebem um diagnóstico de enfermidade grave”, diz o psicólogo Júlio Peres, doutor em neurociência pela Universidade de São Paulo e autor de um livro sobre traumas e superação. “Estudos populacionais mostram que a maioria de nós passou ou passará por eventos traumáticos. Quando o indivíduo consegue processar essa notícia negativa de maneira a construir uma aliança de aprendizado, ele desenvolve algo chamado ‘resiliência’. Na física, é o nome que se dá à capacidade de um corpo de voltar à forma natural depois de sofrer uma deformação causada pela força de um agente externo.”
Sem treinamento psicanalítico algum, Gianecchini foi um exemplo de resiliência. Segundo Peres, há cinco aprendizados para superar traumas que chacoalham nosso caminho. Devemos criar novos objetivos de vida. Apreciar coisas simples, como comer, tomar banho, andar. Ter uma melhor convivência com parentes, amigos e colegas de trabalho. Fortalecer a religiosidade e a espiritualidade. E descobrir uma força interior para enfrentar outras adversidades. Diz Peres: “A superação de um trauma anda de mãos dadas com o fortalecimento do caráter e das virtudes, as pessoas se descobrem melhores depois”.
Um passo ainda anterior, segundo outros psicanalistas, é reconhecer o mal, chamando-o pelo nome. Até um passado recente, ninguém gostava de pronunciar a palavra câncer. “Quando se dá nome ao fantasma, as pessoas vislumbram que o herói não é aquele que nunca caiu. É o que caiu e se levantou”, diz o psicanalista e ex-padre João Batista Ferreira. Exemplos como Gianecchini, segundo ele, são importantes para que o câncer seja visto sem preconceitos. “Ele mostra ter sonhos e se movimentar em direção à vida e ao bom humor, participando ativamente de sua cura em vez de capitular diante de um prognóstico sombrio.”
A amiga que acompanhou mais de perto todo o tratamento foi a atriz Claudia Raia. Eles fizeram juntos, em 2005, a novela Belíssima, de Silvio de Abreu. Giane era o atrapalhado mecânico Pascoal, e Claudia a fogosa Safira. Foi um personagem cômico na carreira de Giane, elogiado por críticos e amado pelos telespectadores. “Iniciou-se ali uma grande amizade, nós dois somos do interior, tivemos o mesmo tipo de criação”, diz Claudia. Giane ia fazer o musical Cabaret com ela quando, dois dias antes de começarem os ensaios, foi confirmado o câncer. “Eu sapateava e cantava para o Giane no hospital. Minha missão passou a ser diverti-lo. Eu me impressionava com a certeza que ele tinha da cura”, afirma Claudia. O primeiro passo para assumir a doença foi, segundo Giane, raspar a cabeça com a máquina: “Eu achava deprimente aquela história de o cabelo cair aos poucos, até em cima da comida, imagina. Também era mais prático ficar careca para tomar banho e nada tocar no cateter”.
Nesse momento, diante do espelho, lembrou a colega Carolina Dieckman, que, na novela Laços de família – estreia de Giane como ator de televisão –, interpretava sua mulher, Camila, doente de leucemia. “Escrevi um torpedinho para a Carol quando raspei a cabeça. No dia em que ela gravou essa cena, eu e a Vera Fischer víamos ao lado, porque íamos gravar juntos depois”, diz ele. “A Carol se emocionou, começou a chorar, era muito simbólico tirar o cabelo, difícil para uma mulher. Vera e eu ficamos emocionados também. Aí eu, quase 12 anos depois, resolvo raspar a cabeça porque o cabelo ia começar a cair na semana seguinte. Só que, ao contrário da Carol, à medida que raspava comecei a sorrir. Achei astral, maneiro, fiquei com visual de guerreiro. Beleza, pensei, estou assumindo. Estou com câncer, vou brigar e estou olhando de frente, sem medo.”
Hoje, Gianecchini conta os dias para voltar ao teatro, no dia 13 de março, em São Paulo, com a peça Cruel, duas vezes por semana. Depois, no Rio de Janeiro, começará a gravar uma nova versão da clássica novela Guerra dos sexos. A médica Yana Novis diz que ele está preparado: “É para isso que a gente está trabalhando todos esses meses. Para colocá-lo na ativa. Mas precisa ir devagar. O principal cuidado é com sua imunidade. O problema com um paciente como o Giane é que todo mundo quer chegar perto, abraçar e beijar”. Isso, ele já disse, será “meio chato”, porque ele não poderá, durante um tempinho, fazer aquela festa no camarim para amigos e fãs. Resiliência. Ele provou que já tem isso.
SOLIDARIEDADE 1. Gianecchini com o pai, também Reynaldo – que morreu de câncer no pâncreas em outubro do ano passado –, e a irmã Claudia. 2. Com a mãe, Heloísa, que aprendeu a preparar a dieta especial do filho 3. Com a atriz Claudia Raia. Ela o  (Foto: David Brazil/Ag. O Dia, George Magaraia/Ed. Globo e  Daniel Aratangy/Ed. Globo)
 

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